Crônicas de Estancane: a pena, o traidor e o passatempo
Estávamos no ano de 2011. Já fazia muito tempo que eu tinha vontade de escrever uma história, alguma coisa de ficção medieval, como Senhor dos Anéis ou Game of Thrones, com castelos, reinos, guerras, aventuras, dilemas, etc. Comecei a pensar nos principais personagens, na paisagem geográfica, no continente onde se passaria a história. Mas admito que eu tinha muito mais ideias na cabeça do que realmente cheguei a escrever em papel. Pensei em um continente dividido em 10 países. Um deles, onde se iniciaria a história, era um país militarmente fraco perto de outros, mas um dos mais ativos em comércio e navegação. Se chamava Reino de Estancane.
Certo dia nessa época, eu estava rodando pela internet quando vi o anúncio desse jogo, Goodgame Empire. Como eu tinha algum tempo livre, resolvi entrar para ver como era, afinal, vai que aquilo poderia me dar alguma inspiração para a minha história. Mas eu não tinha nenhuma pretensão de começar a me envolver em um novo jogo de internet. Pelo contrário, queria ficar longe disso. Eu tinha jogado um outro game por alguns anos, tinha fundado um clã (uma aliança) lá, e por mais que eu tenha me divertido um pouco, acho que me viciei, gastei muito tempo de vida naquilo e me arrependi, para não falar dos graves erros que cometi naquela liderança. Então, só entrei no Goodgame por curiosidade para gastar algum tempo naqueles dias, e fui aos poucos upando meu castelo: Estancane.
O jogo Goodgame Empire ainda estava nos seus primeiros dias.
Ainda era um jogo beta, não existia comandante, eventos, servidor brasileiro (o
Português 1 [PT1] era para todos), roda da fortuna, reinos no gelo, areia,
fogo, nada disso. Na verdade, ninguém tinha ainda nenhum Posto Avançado! Eles
já estavam no mapa, mas ainda estavam bloqueados, então não podíamos capturar.
Acho que a pessoa mais evoluída do servidor era nível 17, no máximo.
Quando eu cheguei no nível 5, só de zoeira, criei a minha
própria aliança, e só tinha eu. Coloquei o nome do continente da minha
história, que juntava as iniciais de cada um dos 10 reinos: Mucheftlan.
Eu estava animado upando meu castelo, mas começando a ficar
preocupado, porque não queria me viciar em um novo jogo, e já estava logando
pelo terceiro ou quarto dia seguido. Foi aí que recebi a mensagem de um jogador
que era meu vizinho no mapa, pedindo para entrar na aliança. Eu não me lembro
bem o nome dele, mas acho que era Luís. Ele entrou muito animado, dizendo que a
gente ia montar uma aliança super forte, que precisávamos começar a se
organizar e recrutar, porque começavam a aparecer vários jogadores bons na
nossa região para recrutar. Eu fiquei na minha, só cuidando do meu castelo. No
dia seguinte, ele começou a cobrar de mim e reclamar que eu não estava fazendo
nada para a aliança crescer. Falei pra ele que eu só lamentava, mas eu queria
jogar tranquilo, sem cobrança, não queria me envolver e nem queria de novo o
estresse de ser líder de uma aliança pra valer. Até cheguei a criar um hino pra
nossa aliança, que falava em jogar tranquilo, sem se viciar, etc. Afinal, eu tinha
criado a aliança só de zoeira. Aí nós brigamos.
Não é que o sujeito saiu, criou a própria aliança dele, a
Leões, e começou a recrutar vários jogadores em volta do meu castelo? Ele
convidou até um sujeito que ficava literalmente embaixo de mim no mapa, o
Firestarter, com quem eu competia pra ver quem evoluía mais rápido. A aliança
dele lotou de 5 membros (era o máximo), e eles conseguiram comprar com rubis a
expansão de +2 para 7. Quando acordo no dia seguinte e entro no jogo, o
Firestarter tinha me atacado à noite, tacou fogo no meu castelo e me mandou uma
mensagem todo confiante rindo da minha cara. Claro, era tudo só um jogo (eu
sempre repetia esse mantra pra não me viciar ou ficar nervoso, afinal um jogo
de guerra é só pra se divertir). Então em vez de ficar nervoso eu dei risada,
mas jurei que ainda ia queimar ele.
Meus planos de jogar fazendinha no Empire foram para o
ar.
Procurei em volta no mapa outros jogadores da nossa região
que o Luís ainda não tinha recrutado. Foi assim que convidei para a aliança um
jogador chamado SirJoaquim (2º). Por alguns dias na aliança éramos apenas nós
dois. Com medo de ele ser recrutado pelo Luís, eu falei que a gente ainda ia
ganhar dos Leões. O Joaquim era muito gente boa, parecia nem se importar muito
com isso. Poucos dias depois, recrutamos mais dois jogadores próximos que
ficavam um do lado do outro: o revolt (3º) e o jotay_br (4º). E apenas com
quatro jogadores, o chat começou a ferver, o papo não acabava nunca. O revolt
fazia jus ao seu nome e xingava todo mundo no jogo inteiro e dizia que ia
atacar até as 3 maiores alianças do jogo. O Jotay era mais quieto, mas era o
nosso jogador mais forte junto com o Joaquim, e os dois davam várias dicas.
Foi aí que eu tomei confiança e finalmente me vinguei do
Firestarter. Meus colegas na Muche, para completar, ainda atacaram outros dois
membros da Leões: um jogador chamado dfgdfg e outro que não lembro o nome. Os
caras todos amanheceram pegando fogo. Uma aliança de uns 8 membros apanhando
para outra de quatro (naquela época, a maior aliança do jogo, a Força Brasil
principal, devia ter uns 20 membros). Foi lindo. E trágico ao mesmo tempo,
porque eu já estava completamente viciado de novo. Mas resolvi não perder
tempo. Logo depois de provocar o Firestarter (ninguém resiste àquela provocada
pós-vingancinha no Goodgame...), convidei ele e o dfgdfg, que eram dois dos
mais fortes da Leões, para a nossa aliança. E foi assim que Firestarter (5º) e
dfgdfg (6º) vieram para a Mucheftlan.
Logo depois, convidamos um outro jogador que estava ficando
forte na região, o lincol (7º). Uma aliança regional próxima, com cerca de 7
membros, também tinha dois jogadores muito bons, e um deles era o líder. Mandei
convite pros dois, o revolt e o lincol mandaram mensagem também. A gente fazia tudo
em conjunto para as pessoas verem como a aliança era ativa, e não daquelas
outras que só o líder fazia tudo. Foi assim que entraram Yan King (8º) e Lord
Mathaws (9º). Todos os novos jogadores que a gente pensava em convidar, eu
lançava pra galera discutir. Ou às vezes outra pessoa que sugeria. E chegávamos
num consenso se a gente ia recrutar ou não. Do lado do lincol tinha um sujeito
que a gente tentava recrutar há muito tempo e não conseguia, mas o lincol
conseguiu acabar convencendo ele. Assim entrou o Lockon Stratos (10º).
E foi desse jeito que chegamos aos primeiros dez membros da
aliança em pouco mais de 1 mês de fundação, mas com um chat que parecia de uma
aliança de 60 membros porque o povo não calava a boca um minuto do dia, e 99%
do papo não tinha utilidade nenhuma, era só besteira. Revolt, Firestarter e o
Lincol eram os campeões da falação. Qualquer hora do dia eu entrava e nem 10
segundos depois já vinham no chat "e aí chefinho", eu mal conseguia
jogar porque dava muita risada.
Para muitas alianças a melhor qualidade do grupo pode ser
estratégia, organização, liderança, quantidade de rubis (hoje precisamos
dizer), tempo disponível pra jogar, etc. Para a Muche, a força motriz e a alma
do grupo era o Chat. E o improvável virou possível: alguns doidos que não
sabiam nem para que estavam no jogo acabaram construindo uma aliança de muitas
histórias. O mundo podia estar caindo, como caiu para nós algumas
semanas depois - quem sabe isso não vira um próximo capítulo se essa crônica acabar interessando o pessoal do Fórum - mas o que reinava era a risada pelo churrasco que os nossos
castelos tinham virado e a zoeira de quem era o mais ferrado.
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Foi assim que larguei a pena de escrever histórias por causa
de um traidor (um moleque inteligente que só tinha sugerido tudo que eu
acabei fazendo depois com raiva dele), e o que era um passatempo virou uma
aventura.
Já parei de jogar em alto rendimento o Goodgame há muito
tempo, hoje só entro de vez em quando para dar um salve nos conhecidos que
ainda jogam. Guardo algumas boas memórias e resolvi compartilhar. Vai que
alguém curte ouvir coisas dos tempos das cavernas...
Saudações,
Felipe I de Estancane
Parabéns Felipe , muito bom ! É sempre bom recordar , pena a maioria das pessoas se esquece que vivemos o hoje, pq tivemos um passado ! Ele é o que nos define como o que somos!